1. Uma estratégia reforçada para um turismo mais sustentável
A abundante aplicação do termo “sustentabilidade” presente nesta revisão PENT 2.0 revela uma clara viragem na abordagem do turismo em Portugal. De facto, a actividade turística tem mostrado grandes dificuldades em se adaptar ao actual contexto de crise económica e social, abstraindo-se por vezes de uma vasto conjunto de problemas em que o turismo tem sido parte do problema e não parte da solução. A Organização Mundial do turismo (UNWTO) frequentemente tem chamado a atenção para tais problemas, incluindo o aquecimento global, a necessidade de um aumento da sustentabilidade na actividade turística ou a utilização do turismo para redução da pobreza, sem que os agentes turísticos no terreno e os governos lhe dêem a atenção necessária. Preparar o futuro do sector é ter em conta o seu importante papel na resolução de questões como a escassez de combustíveis fosseis e de água potável, a redução de resíduos, a melhoria da alimentação e da escolha de alimentos e sem nos podermos esquecer da necessidade de uma efectiva contribuição para ao bem-estar geral da população portuguesa. Devemos ainda ter em consideração que o turismo não só é importante na perspectiva dos impactos negativos causado pelos turistas no nosso território, mas também no potencial do que estes podem levar do nosso país, nomeadamente uma imagem positiva da nossa cultura e história e dos nossos valores ambientais.
A necessidade de aprendermos com os erros do passado e de actualizarmos a forma de se desenvolver esta actividade ao contexto e aos problemas presentes e futuros, exige que se passe de uma utilização conceptual do termo “sustentabilidade” para a sua aplicação prática no território. As medidas concretas que o PAN seguidamente apresenta têm em vista tal operacionalização.
2. Propostas para operacionalização de uma política de turismo mais sustentável
De forma a contribuir para a definição de uma estratégia de desenvolvimento turístico efectivamente capaz de promover uma maior sustentabilidade dos nossos recursos e de trazer mais benefícios para o país, propomos que as seguintes medidas sejam incluídas no PENT 2.0:
(a) Necessidade de uma aposta turística mais centrada na qualidade
A qualidade no turismo em Portugal é fundamentalmente medida pela receita económica gerada e não pelos diferentes resultados na sociedade. Interessa produzir um turismo que, simultaneamente, ofereça proveitos para os agentes turísticos, para o ambiente e para a sociedade. De considerar também que um turismo mais responsável e mais ético vai de encontro às necessidades de turistas ambiental e culturalmente mais exigentes, com maior poder de compra e com mais capacidade acrescentar mais-valias ao nosso país. Analisando as estatísticas do turismo, (UNWTO, 2010), nomeadamente a relação entre as receitas e o número de turistas, torna-se claro que, mesmo em termos meramente económicos, estamos longe de podermos ser considerados um destino de qualidade. Estes turistas ambientalmente mais responsáveis são actualmente repelidos para outros destinos por força de diversos atropelos ambientais e sociais que resultam essencialmente do nosso actual modelo de desenvolvimento.
Compete-nos, através da colocação de critérios de qualidade e sustentabilidade em todas as actividades do turismo português, reduzir significativamente os impactos negativos directos e indirectos e deste modo promover uma melhor imagem do nosso país no estrangeiro.
(b) Incentivo a modalidades mais sustentáveis de turismo
Apesar das fortes potencialidades do nosso país em termos culturais, sociais e ambientais e passados mais de oito anos desde que Portugal participou na cimeira do Ecoturismo de Quebec, em 2002, esta modalidade apresenta ainda um reduzido desenvolvimento em Portugal. A aplicação dos princípios da Declaração do Quebec (2002) e a definição clara dos conceitos de Turismo de Natureza e de Ecoturismo deveriam ser incluídos nesta revisão do PENT.
A promoção de iniciativas de turismo educativo e de turismo científico, ambas desenvolvidas de forma a contribuir para uma sensibilização eficaz de turistas e da população local, serão medidas adequadas para uma contribuição directa da actividade turística para com a necessidade de preservação ambiental e a valorização do nosso território.
Neste campo, os incentivos devem-se centrar ao nível da formação de técnicos, da sua integração no mercado de trabalho e no incentivo a projectos de investimento que utilizem o ecoturismo e outras modalidades estratégicas de turismo com elevado grau de sustentabilidade.
(c) Promoção do vegetarianismo e da redução do consumo de carne e peixe
Considera-se que a redução do actual consumo de carne e peixe é considerada indubitavelmente como a melhor forma de redução das emissões para a atmosfera de gases com efeito de estufa em termos globais. Para além disso, o vegetarianismo incentiva a produção de hortícolas e de espécies nativas (como a beldroega Portulaca oleracea, a pastinaca Pastinaca sativa ou a Salicornia sp.) relevantes para essa dieta. Assim, deve o turismo incentivar formas de consumo alternativas, promovendo nos estabelecimentos hoteleiros e de restauração e bebidas a preparação para uma mudança alimentar e cultural que desde já se impõe e que tem vindo a agregar variadíssimas franjas da população mundial.
A acrescentar a evolução muito rápida que o vegetarianismo assume em diversos países emissores de turismo para Portugal e também pelo seu papel indirecto na promoção de uma agricultura de qualidade e como memos impactos negativos em meio rural.
(d) Aplicação dos resultados da “Avaliação dos Ecossistemas do Milénio”
A avaliação nacional inserida no projecto das Nações Unidas “Millennium Ecosystem Assessment”, cujo relatório foi recentemente publicado (Pereira, 2010), aponta uma relação inequívoca entre a qualidade dos ecossistemas e o bem-estar humano.
Neste sentido, o planeamento da actividade turística deve-se pautar por duas linhas fundamentais: (a) aproveitar o elevado valor dos ecossistemas nacionais para o desenvolvimento de actividades turísticas especializadas, e simultaneamente (b) desenvolver produtos turísticos que não contribuam para reduzir, de forma irreversível, a qualidade dos nossos ecossistemas mais importantes e sensíveis como sejam as montanhas, linhas de água, zonas húmidas, grutas, florestas, ilhas, e as zonas costeiras e marinhas. Está em causa não apenas o valor destes ecossistemas para a população em geral como também a manutenção de recursos que são fundamentais para a continuação da actividade turística.
Considerando que muitos dos produtos previstos no PENT 2.0 são desenvolvidos nos referidos ecossistemas, denota-se neste plano a escassez de uma correspondente de definição de medidas de acção concretas para que o turismo possa contribuir para a preservação dos nossos ecossistemas e deles possa tirar o máximo benefício para um turismo de qualidade. Nestas medidas deve ser explicitada a aplicação de instrumentos como os estudos de capacidade de carga, a determinação de impactos na fauna e na flora, a sensibilização de turistas e agentes turísticos, o ordenamento de actividades, a elaboração de códigos de conduta e a criação de taxas ambientais a reverter na manutenção da qualidade desses ecossistemas.
(e) Redução e/ou não promoção de actividades turísticas que impliquem o sofrimento e ou a morte de animais
Embora as touradas sejam já menos utilizadas na promoção turística de Portugal do que no passado, pela crescente consciencialização do impacto negativo que têm na imagem exterior do país, entendemos que as mesmas deverão ser objecto de proibição em campanhas de promoção turística, não devendo, de forma nenhuma, ser apoiadas ou promovidas pelo Estado Português.
Recentemente, o governo da Catalunha decidiu sobre a proibição de touradas, também por motivos turísticos.
Consideramos ainda que é o momento adequado para alargar esse cuidado a outras actividades que acarretam igualmente sofrimento animal e a destruição de ecossistemas sensíveis (actividades de caça e pesca, por exemplo). É essencial proceder a uma avaliação séria sobre o balanço ente o número de turistas que tais actividades atraem e o número dos que se afastam.
Esta é também uma questão de sensibilidade para com os targets de turistas culturalmente mais exigentes e que tanto ambicionamos captar, bem como da necessidade de modernizar a nossa imagem como destino turístico num contexto global.
É igualmente importante a regulamentação da fabricação e venda de artesanato realizado com produtos de origem animal, indo ao encontro de convenções internacionais e da necessidade de utilizar o artesanato português como uma forma positiva e activa de promover Portugal como destino turístico sustentável.
(f) Criação de regulamentação legal que oriente todas as unidades de alojamento a reduzir os seus impactos ambientais e sociais negativos
As unidades de alojamento e as actividades turísticas com estas relacionadas apresentam, em termos gerais, elevados de impactos negativos através do consumo excessivo de recursos naturais (água, energia, embalagens, alimentos, etc.), da produção de resíduos e ao nível das políticas de emprego.
A implementação de medidas concretas que contrariem estes problemas podem passar por:
- Estabelecer politicas de redução de consumos de recursos naturais, quer através do uso de tecnologias ambientais, quer pela sensibilização de turistas;
- Salvaguardar os elementos patrimoniais naturais e a cultura local, regional e nacional;
- Dar preferência à população local na criação de emprego e zelar pela sua qualificação;
- Promover e valorizar a utilização de produtos locais no turismo de forma a oferecer um turismo mais genuíno, autêntico e com mais vantagens directas para a população local.
O PENT deve assegurar que as unidades de alojamento, pela sua forte inserção no sistema turístico global, promovam e aconselhem os seus hóspedes a escolherem actividades complementares de elevado grau de sustentabilidade.
(g) Promoção de formas de mobilidade mais sustentáveis na actividade turística.
A regulação do uso dos actuais transportes turísticos deve ser uma prioridade numa política de turismo sustentável. Nos locais de destino, a opção por meios de transporte mais ambiental e energeticamente eficientes, como o comboio e outros veículos electromotrizes, torna-se particularmente importante nos meios urbanos e em áreas naturais de elevada sensibilidade para populações animais e vegetais, tais como as montanhas, as zonas húmidas, linhas de água e as ilhas.
Deve-se sempre incentivar o pedestrianismo como forma de oferecer bem-estar aos turistas e proporcionar um contacto saudável com o ambiente natural. Esta é também uma forma de sensibilizar para a preservação da biodiversidade. Estas medidas devem ser estruturadas conjuntamente com a promoção de estadias mais longas e que permitam uma maior aproximação e usufruto dos nossos valores locais.
O PENT deve assumir um comprometimento na definição urgente de uma estratégia de uso racional de transportes turísticos com menor impacte ambiental.