domingo, 20 de fevereiro de 2011

Decrescimento económico

Serge Latouche é um dos grandes defensores da teoria do Decrescimento Económico. Além de economista, é sociólogo, antropólogo e professor de Ciências Económicas na Universidade de Paris. É doutorado em Filosofia pela Université de Lille III e em Ciências Económicas pela Université de Paris.
A entrevista que se segue foi realizada pelo IHU On-Line em Junho de 2009 e permite perceber algumas das bases das suas polémicas teses sobre um novo modelo económico.

IHU On-Line – Em que sentido o decrescimento pode ser uma alternativa ao caos financeiro, do meio ambiente e do actual modelo económico?
Serge Latouche – Se proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos subprimes é uma boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise bancária e económica que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal para o sistema, podemos ser taxados de provocação. No entanto, para os opositores do crescimento, esta crise constitui o sinal anunciador do fim de um pesadelo.
Não se trata, por certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego milhões de pessoas e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul. Porém, e acima de tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento sofrido. O projecto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos. O primeiro é comparável a uma cura de austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio bem-estar, quando o hiperconsumo vem-nos ameaçar pela obesidade. O segundo é a dieta forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós dissemo-lo e repetimos bastantes vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que separa ricos e pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e do abandono dos programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e ambientais que asseguram um mínimo de qualidade de vida.
Pode-se imaginar que enorme catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta regressão social e civilizacional é precisamente o que nos espreita, se não mudarmos de trajectória.

IHU On-Line – Como manter o equilíbrio entre crescimento económico e meio ambiente?
Serge Latouche – Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião.

IHU On-Line – Quais são os limites e as possibilidades de criar uma economia nova, mais sustentável? Quais seriam os seus princípios?
Serge Latouche – Hoje em dia, a festa acabou: já não há mais margem de manobra. A torta, isto é, o produto interno bruto, não pode crescer mais. Mais ainda (e nós sabemo-lo muito bem há muito tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não deve crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. Ele era trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto, Marx, mas também John Stuart Mill, já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua injusta repartição! Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica – as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich, excedendo amplamente as da produção –, era inevitavelmente necessário modificar a receita. Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos a pudessem continuar a produzir, e a compartilhamos equitativamente.
As partes não serão talvez muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado. Com outras palavras, ela oferece-nos a oportunidade de construir uma sociedade eco-socialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que vivemos.

IHU On-Line – Como conciliar crescimento e decrescimento numa mesma sociedade?
Serge Latouche – Uma lógica de crescimento e um projecto de decrescimento são incompatíveis, mas este visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos stress, mais lazer, relações sociais mais ricas, etc.).

IHU On-Line – Alguns especialistas dizem que, com a crise internacional, a economia de muitos países irá desacelerar. Este processo poderá apresentar soluções concretas para o Planeta, ou, ao contrário, a desaceleração representa um processo negativo?
Serge Latouche – As duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise económica e financeira, nem o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem mesmo da sociedade de crescimento.
O decrescimento só é viável numa “sociedade de decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento sustentável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver os seus negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor. A rarefacção do petróleo não prejudica, bem ao contrário, a saúde das firmas petroleiras. Se isso não vale da mesma forma para a pesca, existem substitutivos para o peixe, cujo preço não pode crescer na proporção de sua raridade. O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade.

IHU On-Line – Qual é a marca socioecológica do Planeta? Já existe um deficit ecológico?
Serge Latouche – E como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. O nosso sobrecrescimento económico furta-se aos limites da finitude da biosfera. A capacidade regeneradora da Terra já não consegue seguir a procura: o homem transforma os recursos em desperdícios mais rapidamente do que a natureza os consegue transformar novos recursos.
Se tomarmos como índice do “peso” ambiental do nosso modo de vida a sua “pegada” ecológica em superfície terrestre ou espaço bioprodutivo necessário, obtém-se resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos direitos de extracção da natureza quanto do ponto de vista da capacidade de carga da biosfera. O espaço disponível sobre o planeta Terra é limitado. Ele representa 51 bilhões de hectares.
Todavia, o espaço bioprodutivo, isto é, útil para a nossa reprodução, é apenas uma fracção do total, ou seja, cerca de 12 bilhões de hectares. Dividido pela população mundial actual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por pessoa. Tomando em conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que são necessários para absorver os resíduos e desperdícios da produção e do consumo e acrescentando a isso o impacto do habitat e das infra-estruturas necessárias, os pesquisadores que trabalham para o Instituto californiano “Redifining Progress” e para o World Wild Fund (WWF) calcularam que o espaço bioprodutivo consumido por pessoa era de 2,2 hectares em média.
Os homens já deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável que necessitaria limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população actual permaneça estável. Desde já vivemos, portanto, a crédito.
Além disso, este empreendimento médio oculta muito grandes disparidades. Um cidadão dos Estados Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26, um italiano 3,8. Mesmo havendo grandes diferenças no espaço bioprodutivo disponível em cada país, estamos bem longe da igualdade planetária. Cada americano consome em média em torno de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um italiano 50 (ou seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já consome perto de 40% mais que a capacidade de regeneração da biosfera. Se todo o mundo vivesse como os franceses, seriam necessários três planetas, e precisaríamos de seis para seguir os nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já ultrapassa (em torno de 15%) a cifra sustentável.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Movimento de Transição: uma alternativa

O movimento de transição baseia-se no pressuposto de que se aproxima o fim do petróleo barato com o atingir do seu pico. Este desafio deve, segundo este movimento, ser abordado em simultâneo com a questão das alterações climáticas.

O conceito foi criado por Louise Rooney e Catherine Dunne, tendo sido popularizado por Rob Hopkins, está na base daquilo que poderá constituir um novo modelo social, económico e até político.

Este modelo baseia-se nas seguintes ideias-chave:


1. As alterações climáticas e o Pico do Petróleo requerem uma acção urgente;
2. A vida com uma dramática redução no consumo de energia é inevitável e será melhor existir uma transição planeada do que ser apanhado de surpresa;
3. A sociedade industrial perdeu a capacidade de resiliência, deixando as comunidades actuais vulneráveis a crises energéticas;
4. Temos de reagir colectivamente e temos de o fazer já;
5. Os padrões de consumo actuais e o crescimento económico contínuo num planeta com recursos limitados não são simplesmente possíveis;
6. Aproveitando as capacidades de todos é possível encontrar formas de viver mais enriquecedores e que reconheçam os limites do nosso planeta.


Um dos conceitos fundamentais do movimento é, assim, o da Resiliência, entendido como a capacidade de um sistema, desde um indivíduo até uma economia inteira, manter o seu funcionamento após um dramático choque com origem externa (como uma crise energética, por exemplo).

Segundo este modelo, o desenvolvimento local deverá passar pela relocalização, dinamizando-se políticas e iniciativas que permitam às diversas regiões e/ou comunidades libertarem-se de uma dependência excessiva da economia global, investindo os seus próprios recursos para produzir uma parcela significativa dos bens e serviços que consomem: água, alimentação, materiais de construção, tecidos, madeira, energia, etc..

Com base nos seus princípios, as “iniciativas de transição” foram nascendo um pouco por todo o mundo, consistindo em comunidades mais ou menos extensas (em alguns casos envolvendo cidades inteiras) que adoptaram princípios de resiliência e auto-sustentabilidade.




(O vídeo legendado pode ser encontrado aqui)